terça-feira, 30 de setembro de 2014

A possibilidade de resolução contratual nos casos de atraso na entrega do imóvel adquirido na planta

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O atraso na entrega das obras tem se tornado um dos assuntos mais tormentosos no direito imobiliário, o que passou a ocorrer após o boom imobiliário dado nos últimos anos no Brasil.
Diante desse cenário, não tão novo assim, diversas demandas tem surgido nas ocasiões em que as sociedades empresárias que constroem e comercializam imóveis na planta, as incorporadoras, passam a descumprir o contrato de promessa de compra e venda, no específico tópico que fixa o prazo de entrega da obra.
Tem se tornado prática comum na confecção dos contratos de promessa de compra e venda de imóveis na planta, que são elaborados exclusivamente pelas incorporadoras, sem qualquer discussão de cláusulas com o adquirente/consumidor, a presença de preceito de tolerância no atraso da obra em prazo de 180 (cento e oitenta) dias.
Até o momento essa cláusula que somente beneficia as construtoras/incorporadoras vem sendo aceita pelos Tribunais.
Atualmente o que vem ocorrendo é que as incorporadoras estão desrespeitando também a cláusula de tolerância de 180 dias, vindo a atrasar a entrega do imóvel em até 2 (dois) anos, o que acaba por onerar em demasia os consumidores, ainda que em alguns instrumentos contratuais exista a estipulação de multa por atraso, que em regra é fixada em valor igual a 0,5% do valor do imóvel, a ser pago mensalmente até a efetiva entrega, a título de multa moratória (por atraso).
Como na prática os consumidores fazem financiamento com a construtora até a entrega do imóvel e após esta financiam o saldo devedor com o banco de sua preferência, ao atrasar a entrega, invariavelmente o saldo devedor que seria financiado com o banco passa a aumentar mês a mês e muitas vezes o consumidor tem seu financiamento negado em razão do valor atual a ser patrocinado. Diante disso surgem os seguintes questionamentos: (i) a cláusula de tolerância do atraso na entrega é abusiva? (ii) pode o consumidor resolver o contrato e reaver tudo que pagou, devidamente atualizado e corrigido?
No tocante à abusividade da cláusula, importante destacar que não há maiores discussões acerca da existência clara de relação consumerista nesses casos, sendo, portanto, aplicável o Código de Defesa do Consumidor (Arts.  e  do CDC). Sendo assim, dispõe o Código de Defesa do Consumidor (CDC) que as cláusulas contratuais tidas como abusivas serão nulas de pleno direito, em razão da proteção ao consumidor, parte mais fraca na relação.
O artigo 51IV do CDC é claro ao dizer que as cláusulas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada são abusivas. Portanto, o prazo de 180 dias estipulado para tolerância de atraso na entrega do imóvel não colocaria o consumidor em desvantagem exagerada? Por óbvio que sim, afinal, caso o consumidor passasse por qualquer dificuldade que fosse, e não pudesse efetuar os pagamentos mensais, a construtora jamais concederia o prazo de 180 dias para que o mesmo regularizasse sua situação. Os juros de mora incidem no dia seguinte ao prazo para pagamento da parcela e não raras são as ações de cobrança e até resolução contratual em virtude do atraso no pagamento de parcelas.
Ora, se a parte mais forte na relação consumerista não aceita qualquer atraso por parte do consumidor no cumprimento de suas obrigações, porque esse, repita-se, mais fraco, deveria aceitar o prazo de tolerância de 180 dias? Por que as empresas não podem estabelecer um prazo de entrega correto?
Por óbvio que o risco da atividade empresarial não pode ser transferido ao consumidor, cabendo às construtoras, com seu conhecimento do mercado, estabelecerem prazos razoáveis e corretos para entrega dos imóveis.
Scavone Júnior compartilha do mesmo entendimento e defende que a cláusula é nula e abusiva, porém, como dito anteriormente, infelizmente nossos Tribunais entendem que não existe qualquer abusividade na cláusula que permite o atraso na entrega da obra e sequer consideram o atraso, dentro dos 180 dias, como razão para resolução contratual por culpa da construtora.
Já com relação ao atraso superior ao prazo estipulado em contrato (no máximo de 180 dias), os Tribunais já pacificaram o entendimento de que pode o consumidor requerer a resolução do contrato e a devolução TOTAL das quantias pagas, devidamente atualizadas, acrescidas das multas, ainda que estas não estejam previstas no contrato.
O artigo 475 do Código Civil possibilita que nos casos em que a construtora atrasa a entrega do imóvel, portanto descumpre com o contrato, o consumidor pode requerer a resolução do contrato, sendo-lhe garantido além da devolução de todos os valores pagos, devidamente corrigidos, ainda o ressarcimento por eventuais perdas e danos ocorridas em virtude do inadimplemento contratual.
Além disso, os consumidores podem requerer o pagamento da multa por mês de atraso, aquela que normalmente as construtoras e incorporadoras incluem nos contratos, nomeando-a como “aluguéis”. Importante esclarecer que mesmo que os consumidores não tenham alugado outro imóvel para aguardar a entrega do novo, as multas serão devidas a título de lucros cessantes, ou seja, em virtude do que o consumidor poderia ter auferido se o imóvel tivesse sido entregue na data correta.
Os lucros cessantes não se confundem com a multa por descumprimento contratual, afinal aqueles visam punir a mora, o atraso no cumprimento do contrato, enquanto esta última visa punir o descumprimento do pacto em virtude do atraso na entrega do imóvel. Importante alertar que as construtoras/incorporadoras tem como prática a retenção de parte dos valores pagos nos casos de rescisão contratual, porém tal retenção somente será legal se o responsável por ela for exclusivamente o consumidor. Nos casos em que há atraso na entrega do imóvel e portanto descumprimento contratual por parte da construtora, não é possível qualquer retenção de valores em benefício desta.
A sucinta explicação se deu em virtude das constantes consultas recebidas e tem como objetivo alertar os consumidores acerca das cláusulas abusivas em contratos de compra e venda de imóveis, em especial nas ocasiões de atraso na entrega das obras, quando passa a ser plenamente viável o pleito judicial para reaver tudo o que foi pago acrescido das multas por atraso e por descumprimento contratual.

Fonte: Jus Brasil

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