quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Venda casada, um casamento imperfeito


Apesar de proibida pelo Código do Consumidor, prática acumula denúncias na Justiça e nos Procons
RIO - Karlos Gusthavo Tripeno procurou o banco Santander para contratar um empréstimo consignado. Para a surpresa do consumidor, ouviu do funcionário da instituição que, para ter acesso ao crédito, seria obrigado a contratar um seguro. Porém, além de o produto não interessar, encareceria em R$ 600 o valor do financiamento. Ciente de que estava sendo vítima de venda casada, prática proibida pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), tentou argumentar com o banco. Não adiantou. Indignado e constrangido, desistiu da operação e denunciou o caso à Ouvidoria da instituição e à seção Defesa do Consumidor do GLOBO.
Para as entidades de defesa, Tripeno é um exemplo de como o cliente deve proceder ao enfrentar essa prática proibida, mas que continua a acumular denúncias em órgãos de consumidores e ações na Justiça.

— O brasileiro precisa aprender a boicotar para preservar o seu direito de escolha — opina o assessor chefe do Procon-SP, Renan Ferraciolli.

Prevista no inciso I do artigo 39 do CDC, a venda casada é caracterizada por duas diferentes formas ilegais de condicionamento. Ou por vincular a venda de bem ou serviço à compra de outros itens, ou pela imposição de quantidade mínima de produto a ser comprada. E, apesar de ser mais comum no setor financeiro — no Procon-SP foram registradas 228 reclamações sobre venda casada em 2012, sendo que 118 delas envolviam bancos —, está presente nas mais diversas situações do dia a dia.

Decisão de STJ orienta consumidores
Sanduíches que vêm com brinquedo, venda de pacote de turismo atrelada a seguro, cinema que só permite o consumo de pipoca e guloseimas compradas na própria conveniência. Todos esses casos podem caracterizar venda casada. Nos últimos anos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu decisão favorável ao consumidor em ações movidas por situações semelhantes (veja quadro). A jurisprudência do tribunal não oferece respostas para todos os casos, mas orienta a escolha do consumidor e pode balizar decisões semelhantes em outras instâncias.
— Já está pacificado no Judiciário o entendimento sobre a abusividade da venda casada. As decisões de nossa corte superior vêm ao encontro desse consenso. O consumidor fica cada dia mais seguro de que seus direitos, quando não respeitados, podem ser pleiteados na Justiça com grande chance de sucesso — esclarece o advogado especialista em Direito do Consumidor Ronaldo Gotlib.
Para o assessor chefe do Procon-SP, o principal motivo de as instituições financeiras despontarem quando o assunto é venda casada são as altas metas de vendas dos bancários:
— Com metas de vendas agressivas em relação a seguros e contratos de cartões, muitos atendentes de bancos acabam condicionando baixas taxas de juros em financiamentos à contratação de seguros e cartões.
Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste, ressalta que estar bem informado e saber argumentar são fundamentais para o consumidor tentar se livrar de uma venda casada.
— Se o comércio ou fornecedor de serviço não dá opção de escolha, quando ele obriga a adquirir um pacote sem oferecer os itens separadamente, é venda casada — afirma Maria Inês.
O passo seguinte, complementa Ferraciolli, do Procon-SP, é demonstrar ao fornecedor que ele está errado:
— A lei está ao lado do consumidor, e todo comércio é obrigado a ter um exemplar do Código à disposição. Então, basta, com calma, o cliente pegar o CDC e mostrar que o inciso I do artigo 39 proíbe a venda casada.
Se, apesar da argumentação do consumidor, a empresa continuar se negando a desvincular um serviço ou produto do outro, a recomendação é que o consumidor desista do negócio e faça uma denúncia aos órgãos de defesa.
Procurada, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) salientou que “os bancos brasileiros vêm aperfeiçoando seu sistema de atendimento ao consumidor”. E orienta, caso ocorra problema com um banco, que a insatisfação seja manifestada primeiramente ao gerente da própria agência, e depois à entidade, pelo site www.conteaqui.org.br.
O Santander informa que “não há obrigatoriedade de contratação de seguro em nenhuma operação de crédito realizada pelo banco”. Garante, ainda, que o ocorrido com Tripeno “não corresponde à orientação transmitida aos gerentes”.
Rio proíbe sanduíche com brinquedo
Um das vendas casadas mais polêmicas é a de sanduíche com brinquedo para crianças, feitas por redes de fast-food. No último dia 8, entrou em vigor no Rio a lei municipal nº 5.528, que proíbe a prática e prevê multa aos infratores no valor de R$ 2 mil, podendo ser duplicada em caso de reincidência.
Em 2010, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a reunião, na Justiça Federal, das ações civis públicas propostas contra as redes de lanchonetes Bob’s, McDonald’s e Burger King, em razão da venda casada de brinquedos e lanches. De acordo com o STJ, em outra ação civil pública, o Ministério Público Federal (MPF) pede à Justiça Federal, que designou o caso à 15ª Vara Cível da Seção Judiciária de São Paulo, que condene essas três redes a não venderem lanches infantis com oferta conjunta, bem como a não oferecerem a venda em separado de brindes. A decisão de mérito ainda não chegou ao STJ.
O McDonald’s disse que desde 2006 os brinquedos podem ser comprados separadamente, desvinculados do McLanche Feliz. O Burger King afirma que, em cumprimento à lei municipal, nenhum dos restaurantes da rede no Rio tem brindes ou brinquedos à venda junto aos seus lanches, nem mesmo separadamente, e que, caso leis semelhantes sejam aprovadas em outras regiões, a empresa cumprirá a determinação legal. O Bob’s informou que avalia a nova legislação, juntamente com entidades do setor, “para posteriormente adotar qualquer medida”.


Fonte: O Globo - Online; Portal do Consumidor

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